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DANIEL FAVERO E THAÍS SABINO
Considerada uma epidemia mundial, a obesidade segue em crescimento no País, conforme dados da nova Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), divulgada nesta sexta-feira. Para o presidente da Sociedade Internacional de Economia da Saúde (Ispor), Stephen Stefani, "o preço deste aumento da obesidade, nós vamos pagar em algumas décadas".
Apesar de 74% dos mais de 60 mil alunos do 9º ano que participaram da Pense terem estado nutricional adequado, 16% foram considerados com sobrepeso e 7,2%, obesos, nas capitais brasileiras. Entre as cidades com maior frequência de escolares com sobrepeso estão Porto Alegre (20,1%) e Rio de Janeiro (18,3%). Ainda segundo a Pense, as maiores prevalências de sobrepeso foram observadas entre alunos das escolas privadas.
De acordo com um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgado em julho, 25% dos adolescentes de escolas públicas e privadas da capital paulista estavam, entre 2003 e 2004, com sobrepeso ou obesos. O índice é superior à média brasileira, que era, no mesmo período, de 18% entre os meninos e 15,8% entre as meninas, segundo o Ministério da Saúde.
Para Stefani, os investimentos em saúde no Brasil (3% do Produto Interno Bruto, que chegou a R$ 826 bilhões no primeiro trimestre de 2010, segundo dados do IBGE) estão "totalmente fora da realidade". Ele compara a situação com a dos EUA (o país mais obeso do mundo), onde este orçamento equivale a aproximadamente 15% do PIB, cerca de US$ 2 trilhões.
"Se nos Estados Unidos o sistema de saúde ainda não é o ideal, no Brasil está totalmente fora da realidade", disse Stefani. Ainda segundo ele, "o setor privado investe três vezes mais que o público na saúde do País, sendo que, dos 193 milhões brasileiros, apenas cerca de 40 milhões possuem convênio médico particular".
De acordo com o Ministério da Saúde, as medidas mais concretas em relação ao combate à obesidade começaram em 2006 com ações educativas, de promoção da saúde, além de programas de orientação e incentivo à atividade física. O orçamento deste ano para essas ações, que não se referem somente ao combate à obesidade, é de R$ 56 milhões, aplicados em 1,5 mil cidades brasileiras.
Segundo a médica endocrinologista Deborah Malta, coordenadora de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da Saúde e especialista em Saúde Pública, as doenças ligadas a obesidade, como problemas cardiovasculares e diabetes, "sobrecarregam o sistema público de saúde".
Para a nutricionista do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Unifesp e responsável pela pesquisa com os adolescentes paulistanos, Maria Aparecida Zanetti, os impactos na saúde pública já são significativos. "Identificamos adolescentes hipertensos, diabéticos, com problemas ortopédicos, além da exclusão social pelo fato de estarem fora do peso", disse, citando ainda distúrbios como a bulimia e anorexia.
Stefani diz que os custos desse aumento da obesidade serão percebidos nas próximas décadas. "O preço deste aumento da obesidade, nós vamos pagar em algumas décadas. É o camarada que vai chegar aos seus 40 anos com problemas de saúde que vai engrossar a fatia de pacientes crônicos", disse o presidente da Ispor. "O obeso é um kit completo que vem com diabete, infarto, problemas cardiovasculares e pressão alta".
Deborah diz que, "de forma geral, se gasta mais com medidas curativas do que com a prevenção". Para ela, a mudança desse quadro requer ações que vão além do âmbito da saúde.
Estudos
De acordo com a nutricionista, o fenômeno do crescimento da obesidade começou a ser estudado na década de 70, quando houve o período "de transição nutricional, com queda da subnutrição e aumento da obesidade".
Segundo Deborah Malta, levantamentos feitos em 1974 e 1975 apontaram que os adolescentes com idades entre 11 e 15 anos acima do peso eram 2,6% dos meninos, e 5,8% das meninas. Em 1996, esse índice pulou para 11,8% entre os meninos e 15,3% entre as meninas.
Para Maria Aparecida, as mudanças sociais ocorridas nos seios das famílias, nas últimas décadas, podem explicar o aumento de peso entre os jovens. "A mulher deixou o lar e tem que trabalhar. O que vale hoje é a lei da sobrevivência, onde a mãe faz a opção por alimentos mais práticos, mas também nocivos para a saúde. Além disso, as escolas também têm participação porque as cantinas oferecem alimentos calóricos, como frituras, balas e refrigerantes, visando apenas o paladar e a satisfação dos adolescentes. As pessoas são alimentadas com macarrão instantâneo e papinhas industrializadas desde pequenas".
Deborah afirma que os Estados do Paraná, e Santa Catarina já têm legislação específica sobre a merenda escolar. "Nas cantinas escolares destes Estados é proibida a venda de salgadinhos e frituras. Usamos isso como exemplo, na busca de uma normatização geral, até que se tenha uma legislação específica para todo o Brasil", disse.
"Esse assunto deve ser encarado como prioridade, e com seriedade. Não é só a saúde que deve atuar. Se for assim, haverá pouco êxito. A discussão deve ser encarada de forma ambiental, as indústrias devem ser incluídas, assim como o incentivo às práticas físicas. Há um o apelo muito grande pela comida fácil, pelas massas, sanduíches e hambúrgueres. Temos que abordar ainda a discussão em relação à regulamentação dos alimentos, como fez a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao determinar parâmetros para produtos industrializados", disse.
Efeitos
Os efeitos da alimentação com produtos industrializados e calóricos no corpo humano ainda não são totalmente conhecidos pela ciência. A segunda fase da pesquisa com os alunos paulistanos, que será realizada neste ano, vai usar exames bioquímicos para identificar que tipo de malefício esses alimentos trazem à saúde, além da obesidade.
"Os profissionais de saúde já perceberam aumento em problemas alérgicos. Sabemos que os alimentos industrializados têm substâncias que podem, na maioria das vezes, causar alergia em quem já tem propensão a isso", afirma Maria Aparecida.
A pesquisa teve a primeira fase realizada há cerca de seis anos, e agora vai reencontrar os adolescentes que foram analisados, hoje com idades entre 15 e 20 anos. "Vamos à casa desses jovens para conversar com as famílias, saber como foi a gestação, a amamentação, como são os hábitos de consumo e alimentares, qual é a renda, se existem fatores hereditários, além da realização de exames bioquímicos, para investigar o grau de obesidade e, se possível, reverter ou tratar o quadro", diz.
A nutricionista afirma que falta atenção dos governos e da sociedade quanto à nutrição. "Não existe regra básica para deter esse crescimento alarmante da obesidade, mas a educação pode reverter esse quadro", disse a pesquisadora, defendendo a inclusão de uma disciplina de educação nutricional nas grades curriculares, com o mesmo peso de disciplinas como matemática, português e geografia.
Como sobrepeso e obesidade são calculados
Para o cálculo do sobrepeso, o IBGE usou os valores de referência do Índice de Massa Corporal (IMC) da Organização Mundial de Saúde. Um IMC de até 18,5 kg/m² é considerado déficit de peso. O excesso de peso é identificado com 25 kg/m² ou mais, e a obesidade é diagnosticada quando o IMC é igual ou superior a 30 kg/m².
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