Longe, mas nem tanto!
Mapa une dados de transporte, relevo e distância, mostrando que algumas áreas que pareciam isoladas da civilização podem ser mais acessíveis do que se pensava
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O palácio do Potala, em Lhasa, capital do Tibete, a antiga sede do governo e morada do dalai lama, antes da invasão chinesa. |
É oficial: um dos locais mais isolados do mundo é o platô do Tibete. No mesmo país situam-se Lhasa e Korla, locais que ficam a 20 dias a pé e um de carro de distância da cidade grande mais próxima. Essa região faz parte dos 10% do território mundial que é extremamente longe do resto da civilização. Isso de acordo com o mapa de acessibilidade global, que calcula o tempo de viagem de vários pontos do globo às cidades grandes, com mais de 50 mil habitantes.
O mapa, desenvolvido por pesquisadores da Junta de Pesquisa (JRC) da Comissão Europeia em Ispra, na Itália, e do World Bank Group, combina informações sobre o terreno, o acesso a estradas, ferrovias, redes fluviais e marítimas com dados de relevo, como altitude e inclinação, e algumas paradas obrigatórias, como a fiscalização ao atravessar uma fronteira internacional. Ele também mostra como algumas partes do mundo se tornaram acessíveis ao passo que outras ficaram mais remotas.
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O Rio Amazonas, com seus habitantes, como o jacaré da foto, era um destino quase mítico de viagem. Hoje, está ao alcance de qualquer turista. |
O primeiro propósito do que hoje é o projeto do mapa de acessibilidade era construir um modelo gráfico plano para fazer parte de um programa de monitoramento da biodiversidade. Ele ajudaria a analisar a eficácia das áreas ambientais protegidas. “Foi constatado que quanto mais acessível é a área protegida, mais ela está ameaçada”, afirma Alan Belward, chefe da unidade de monitoramento do ambiente global e responsável pela elaboração do mapa.
O projeto começou a ser desenvolvido em 2008, quando Andrew Nelson (JRC) e Hirotsugu Uchida (World Bank) propuseram o “Índice de Aglomeração” (Agglomeration Index) para medir o nível de concentração urbana mundial. Um dos três componentes usados para calcular tal índice foi o tempo de viagem de um determinado local a um centro urbano. Nelson expandiu a ideia do primeiro mapa para um que calculasse a acessibilidade de determinado local com base no tempo de viagem deles a mais de 8.500 grandes cidades do mundo.
Todo o trabalho foi incorporado ao relatório de desenvolvimento mundial do World Bank no ano seguinte. “A acessibilidade é relevante em todos os níveis de desenvolvimento e esse mapa preenche uma lacuna importante no entendimento do modelo regional de conectividade econômica, física e social”, observa Belward.
Para elaborar o mapa, foram necessárias técnicas avançadas de modelagem geográfica unindo as informações populacionais e as de redes de estradas, rios, ferrovias e de satélite sobre relevo. De acordo com dados do projeto, a acessibilidade é definida pelo tempo de viagem de um local a outro via terra ou água. Ela, por sua vez, é computada por um algoritmo de custodistância que calcula quanto se gasta para viajar em uma grade regular do plano.
No caso do mapa, esse custo é medido por meio da unidade de tempo. Cada célula da grade contém valores que representam o custo requerido para atravessá-la. Além disso, também foi preciso ter um cálculo aproximado do tempo gasto para se passar por uma fronteira internacional. Outro fator incluído no projeto foi o que os pesquisadores chamam de “superfície de fricção”: as informações referentes aos meios de transporte, como ferrovia e estrada, e de relevo, como declives e superfície do terreno.
A confecção do mapa durou um ano e o custo de produção e de agrupamento de todos os dados foi de cerca de meio milhão de euros, o equivalente a mais de R$ 1 milhão. Mas o esforço valeu a pena, porque mais de 2 mil mapas foram impressos e milhares deles foram baixados do website oficial do projetohttp://bioval.jrc.ec.europa.eu/products/gam/index.htm. “O mapa oferece uma medida consistente e global que permite comparações internacionais e cálculos de urbanização para as regiões do mundo”, diz Belward.
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A cratera do vulcão Erta Ale, na Etiópia, é um dos lugares de acesso mais difícil do mundo. Para chegar lá são precisos muitos dias de caminhada, já que não há estradas nem meios de transporte. |
O responsável pelo projeto acrescenta que o mapa também pode ser muito útil para situar qualquer país em um contexto global. “Embora os dados ainda não sejam detalhados o suficiente para um trabalho regional, eles podem dar aos líderes políticos uma boa noção da situação do país”, explica. O mapa mostra o grau de acessibilidade de vários lugares do mundo e pode indicar um aumento de oportunidade de viagem, comércio, comunicação e interação. No entanto, o gráfico ainda aponta algumas áreas no mundo que estão sendo deixadas para trás, por serem menos acessíveis.
Outra mensagem importante revelada pelo mapa de acessibilidade é que restam poucas áreas de natureza selvagem no globo. Apenas 10% do território mundial está localizado a mais de 48 horas de viagem de uma cidade grande.
“A área selvagem acabou reduzida e concentrada em montanhas altas, como o platô do Tibete, e em latitudes extremas, como a floresta boreal próxima aos lençóis de gelo. Mesmo os desertos e as florestas tropicais não são mais terrenos inacessíveis como antes”, observa Belward. Para se ter uma noção, apenas 20% da região amazônica fica a mais de 48 horas de uma cidade grande, devido ao aumento de estradas e do melhoramento do sistema de navegação fluvial.
Belward afirma que os pesquisadores continuarão trabalhando na questão da biodiversidade, mas que também há intenção de realizar melhoramentos no mapa de acessibilidade atual. O mapa ainda não pode ser usado para analisar apenas uma região específica, por falta de dados mais detalhados sobre a infraestrutura do transporte e dados populacionais. “Queremos que o modelo de cálculo fique mais sofisticado. Por exemplo, fazendo ajustes sazonais para medir o tempo de viagem em estradas não pavimentadas, que se tornam mais difíceis de atravessar em estações chuvosas, ou o sistema fluvial, que não funciona na época de seca”, finaliza.
Índice de aglomeração
Andrew Nelson e Hirotsugu Uchida propuseram um novo meio de medir o nível de urbanização mundial, uma vez que encontraram inconsistências em sua definição ao redor do mundo. “A raiz do problema está em como se mede a concentração urbana de um modo sistemático e consistente”, escrevem no artigo “Agglomeration Index”. Os autores argumentam que não há um padrão internacional para fazer tal cálculo. Então, muitos dados sobre a população que vive em grandes cidades mudam de país para país. Com esse problema em mente, eles criaram o índice de aglomeração, que é a junção de três fatores básicos: densidade populacional, habitantes de grandes centros urbanos e tempo de viagem de uma cidade menor a uma maior. |
Fatores que alteram o tempo de viagem
Segundo Alan Belward, da Comissão Europeia, há dois fatores que mais influenciam em uma mudança do tempo de viagem: a infraestrutura e as fronteiras internacionais. Para explicar o primeiro, é interessante citar o exemplo das categorias de estrada variadas: via expressa (120 km/h), estradas maiores (60 km/h) e trilha (10 km/h). Cruzar fronteiras internacionais é um fator que influencia na acessibilidade, pois depende da fiscalização de cada país. “A área fronteiriça em Schengen, sudeste de Luxemburgo, é praticamente livre de atraso de viagem. Você deve diminuir a velocidade para passar pela fronteira, mas na maioria das vezes não tem de parar o veículo”, diz Belward. Por outro lado, em outras partes do mundo, atravessar a fronteira pode consumir muito tempo. |
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