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Alimentos
industrializados
Em 1984, o médico encontrou casos de diabetes entre os bororos de Meruri, em Mato Grosso. Em 1987, colheu glicemias alteradas entre os xicrins do Rio Cateté e os paracanãs do Rio Bom Jardim, no sudeste do Pará. No mesmo ano, verificou casos suspeitos de diabetes entre os gaviões parcategês, também do Pará. “A política desenvolvimentista do Estado levou para o interior do território indígena estradas de rodagem, como a estrada de ferro Carajás, da Vale do Rio Doce, e linhas de eletricidade da Eletronorte. Com o dinheiro das indenizações, que os xicrins e os gaviões ainda recebem, deleles passaram a comprar alimentos industrializados. Mas o desastre, lá, não é tão grande como entre os xavantes. Os xicrins são hoje 1.200, com 16 diabéticos. Entre os xavantes, metade da população adulta já é ou vai tornar-se diabética. Ali, o mal progrediu muito rápido”, diz o professor Vieira-Filho.
Em 1984, o médico encontrou casos de diabetes entre os bororos de Meruri, em Mato Grosso. Em 1987, colheu glicemias alteradas entre os xicrins do Rio Cateté e os paracanãs do Rio Bom Jardim, no sudeste do Pará. No mesmo ano, verificou casos suspeitos de diabetes entre os gaviões parcategês, também do Pará. “A política desenvolvimentista do Estado levou para o interior do território indígena estradas de rodagem, como a estrada de ferro Carajás, da Vale do Rio Doce, e linhas de eletricidade da Eletronorte. Com o dinheiro das indenizações, que os xicrins e os gaviões ainda recebem, deleles passaram a comprar alimentos industrializados. Mas o desastre, lá, não é tão grande como entre os xavantes. Os xicrins são hoje 1.200, com 16 diabéticos. Entre os xavantes, metade da população adulta já é ou vai tornar-se diabética. Ali, o mal progrediu muito rápido”, diz o professor Vieira-Filho.
Também
os jovens estão sendo afetados. “A prevalência alta já atinge indivíduos na
fase produtiva da vida. Se nada for feito, esses garotos pré-diabéticos têm
alta chance de desenvolver a doença em idade precoce e, ao longo da vida,
apresentar complicações crônicas que, além de incapacitantes, são causa de
morbidade e mortalidade”, diz a professora Regina Moisés, especialista em genética
do diabetes. Nos territórios de Sangradouro e São Marcos já podem ser
encontrados índios com problemas oftalmológicos, que sofreram amputação do pé
ou que fazem hemodiálise em decorrência do mal.
Políticas
de Sedentarização
Para
o antropólogo Carlos Fausto, professor do Museu Nacional (UFRJ), o que
aconteceu nos últimos anos nas sociedades indígenas no Brasil, “e que já
havia ocorrido com outras populações autóctones no resto do mundo”, é um
processo de sedentarização ligado à infraestrutura criada pelo Estado para
atender essas populações – luz elétrica, gás, água encanada, escola, posto de
saúde e tecnologias de locomoção. “Há apenas uma geração, os índios
caminhavam até suas roças, remavam para pescar e andavam quilômetros para ir
a uma festa em outra aldeia. Hoje, andam de barco a motor, de carro e, às
vezes, de moto – como nós, que pegamos elevador, em vez de subir escada”,
considera.
Some-se
a isso a transição alimentar e um aparato fisiológico mais sensível ao
consumo do açúcar, “e provavelmente do sal”. Considerem- se ainda os
benefícios que, nos últimos anos, os índios passaram a receber do Estado:
Bolsa Família, auxílio maternidade e aposentadoria rural. “Esses recursos são
usados para a compra de alimentos baratos, de má qualidade. Trata-se de um
aporte de comida industrializada que cresce nos períodos de escassez de caça
ou pesca, justamente quando ocorria o emagrecimento.” Por outro lado, o
dinheiro franqueia aos índios o acesso a bens, o que torna mais tolerável a assimetria
com os brancos. “A aposentadoria, por exemplo, deu aos velhos mais
respeitabilidade diante dos jovens, que ficaram ‘metidos’ porque conhecem a
língua portuguesa e transitam melhor no mundo dos brancos.”
Carlos
Fausto considera que esses fatores induzem uma transição nutricional rápida e
criam um paradoxo: se, por um lado, as políticas sociais do governo são
positivas, por outro contribuem para tornar a população sedentária, obesa,
diabética e hipertensa. “O Ministério da Saúde deveria criar políticas
públicas de esclarecimento e educação alimentar, em vez de se limitar às
políticas curativas. Mas o poder público não tem interesse nisso e não é
capaz de uma ação inteligente. Os riscos vão aumentar, sobretudo porque
muitas terras indígenas no Brasil Central, no Nordeste e no Sul não são
significativamente grandes para alimentar populações em crescimento.”
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“O
sexo feminino é o mais afetado”, confirma a pesquisadora. “As mulheres xavantes
têm muitos filhos. Faz parte da cultura. Começam por volta dos 14 anos, e as
sucessivas gravidezes são acompanhadas pela obesidade. Com o sedentarismo,
acabam desenvolvendo o diabetes”, explica.
O
I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, realizado em 2009
e 2010 com a participação de várias instituições, aponta na mesma direção.
Baseado em amostra representativa da totalidade das mulheres indígenas de 14 a
49 anos, nas quatro macrorregiões (Norte, Centro-Oeste, Nordeste e
Sul-Sudeste), o estudo envolveu 113 aldeias de diversas etnias e revelou a ocorrência
de obesidade, hipertensão arterial e diabetes mellitus em
todas as regiões. Conduzido pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva (Abrasco), foi coordenado pelos pesquisadores Carlos Coimbra
Jr., Ricardo Ventura dos Santos e Andrey Cardoso, da Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca, do Rio de Janeiro; e Bernardo Horta, da Universidade
Federal de Pelotas.
“Os
dados refletem uma mudança no perfil epidemiológico dos povos indígenas
brasileiros, em que as doenças crônicas não transmissíveis começam a assumir um
papel expressivo”, diz o epidemiologista Andrey Cardoso. “Em particular no
Centro-Oeste e no Sul e Sudeste, sobrepeso e obesidade já se colocam como uma
questão de saúde importante para as mulheres indígenas, atingindo mais de 50%
delas, assim como a hipertensão arterial, que atinge mais de 15%.”
O
professor João Botelho Vieira-Filho (de óculos), da Escola Paulista de
Medicina, lidera o estudo sobre obesidade indígena entre os xavantes.
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Genética
vulnerável
Na base disso tudo está o fato de que a população nativa americana é geneticamente suscetível à obesidade. Estudo realizado por pesquisadores das Américas do Norte, Central e do Sul, entre eles os professores João Paulo Botelho Vieira-Filho e Regina Moisés, verificou a existência de uma variante no gene ABCA1, exclusiva dos ameríndios, associada com dislipidemia (gordura no sangue), obesidade e diabetes.
Na base disso tudo está o fato de que a população nativa americana é geneticamente suscetível à obesidade. Estudo realizado por pesquisadores das Américas do Norte, Central e do Sul, entre eles os professores João Paulo Botelho Vieira-Filho e Regina Moisés, verificou a existência de uma variante no gene ABCA1, exclusiva dos ameríndios, associada com dislipidemia (gordura no sangue), obesidade e diabetes.
“Essa
variante genética, decorrente de seleção natural ocorrida durante milênios, é
favorável à acumulação de energia para períodos de fome e para procriação”,
explica o professor Vieira-Filho. Trata-se da genética poupadora de energia
descrita pelo geneticista James Neel (1915-2000). “Eles ganhavam peso normal
com hidratos de carbono complexo – batata, feijão, mandioca, cará, abóbora. Com
o hidrato de carbono simples, do arroz branco, e o açúcar cristalizado,
engordam em excesso.”
São
muitos os custos decorrentes da difusão da doença. “Treinamos um agente de
saúde indígena para aplicar a insulina no Centro de Diabetes da Unifesp, mas há
problemas no envio e na conservação da insulina, assim como no descarte
adequado das seringas”, explica o professor Laércio Joel Franco. “Também a
aplicação regular do medicamento nos doentes nem sempre é possível, pois eles
às vezes passam dias fora, caçando ou viajando.”
1977 Nesse ano foram encontradas as primeiras evidências de diabetes, entre os caripunas e os
palicures do Amapá
33% DAS MULHERES XAVANTES acima dos 18 anos, das áreas indígenas
Sangradouro e São Marcos (MS), têm diabetes
51% DAS MULHERES E 46% DOS HOMENS de Sangradouro e São Marcos são obesos.
Aos 60 anos MORREU O LÍDER XAVANTE MÁRIO JURUNA , em 2002, em decorrência de complicações do diabetes
113 aldeias pesquisadas pelo INQUÉRITO NACIONAL DE SAÚDE E NUTRIÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS mostram ocorrência de obesidade em varias regiões do país
51% DAS MULHERES E 46% DOS HOMENS de Sangradouro e São Marcos são obesos.
Aos 60 anos MORREU O LÍDER XAVANTE MÁRIO JURUNA , em 2002, em decorrência de complicações do diabetes
113 aldeias pesquisadas pelo INQUÉRITO NACIONAL DE SAÚDE E NUTRIÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS mostram ocorrência de obesidade em varias regiões do país
A
boa notícia é que o diabetes pode ser prevenido. “Há estudos mostrando que, se
o indivíduo mudar o estilo de vida, aumentando a atividade física e adotando
dieta adequada, ele previne ou retarda o aparecimento da doença. Mais efetiva
que a medicação, a mudança do estilo de vida pode reduzir em 60% a ocorrência
da enfermidade”, afirma a professora Regina.
As
minorias étnicas devem receber orientação dietética diferenciada. “Assim como
os índios desenvolvem obesidade e diabetes com o açúcar, os negros desenvolvem
hipertensão arterial com o sal, pois foram selecionados a reter sal diante do
calor da África”, explica Vieira-Filho. “Somos todos iguais nos direitos
políticos, mas não na genética.”
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